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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

COMO NÃO SER ANARQUISTA


A Sociedade actual é um conjunto de iniquidades. A autoridade do homem sobre o homem e a exploração do indivíduo por outro indivíduo, são as duas iniquidades supremas, os dois maiores crimes lesa-humanidade, as duras iniquidades mães de todas as iniquidades. A autoridade e o direito de posse, são base e fundamento da organização social existente. E a religião, vil alcoviteira do Estado e do Capital, é o ópio maldito que adormece e embrutece o povo, tornando-o manso e resignado com os seus conselhos melífluos, tendentes a afastá-lo das realidades da vida, pondo as suas esperanças num utópico paraíso do outro mundo.

Para qualquer lado que dirijamos a vista, só veremos iniquidade e crime, dor e miséria, lágrimas e morte. E, - contraste horrível! - junto às massas numerosas de indivíduos famélicos, de seres envilecidos pela miséria, de homens, mulheres e crianças anémicas, esfarrapadas, famintas, outros indivíduos, outros seres, outros homens embrutecidos por orgias infames, rebentando da fartura, vestidos de peles e sedas, e carregados de jóias, - o que constitui um grosseiro insulto feito à miséria do proletário, pelos monopolizadores do património universal.

É assim na sociedade presente: para os que trabalham e tudo produzem; para os que descem à mina para arrancar das entranhas da terra, os metais, as pedras preciosas, o carvão...; para os que fabricam ricos tecidos, constróem móveis cómodos, levantam sumptuosos palácios...; para os que lavram a terra, deitam no sulco a semente, apanham os frutos e ceifam, debaixo de um sol de fogo, as doiradas e desabrochantes espigas que hão de, mais tarde regalar o paladar dos que não quiseram nem souberam produzi-lo...; para estes, trabalhadores e produtores e - oh! Sarcasmo! - , escravos; para estes, repito, a vivenda ruim, sem luz nem ventilação, anti-higiénica; a comida escassa e má, insuficiente para refazer as forças gastas no rude e quotidiano trabalho; os vestidos grosseiros, mal feitos, sujos...; o estômago sempre insatisfeito e os membros sempre cansados; a anemia, e a tuberculose apoderando-se do organismo; e, às vezes, a morte por inanição e frio...

E em troca, para os que nada produzem, para os vadios, para os parasitas, a morada sumptuosa, os deliciosos manjares, os vinhos capitosos, as peles, as sedas, as carruagens (*), a literatura, a arte... tudo: luz, ar, flores; comodidades materiais; gozos do corpo e do espírito... (Mas, sobretudo, prazeres corporais, porque a burguesia, na sua grande maioria, movida por um sórdido materialismo, é incapaz de sentir profundamente os prazeres intelectuais). Admirável filosofia a burguesa! Primorosa justiça a que preside à actual sociedade!

E se a filosofia burguesa é admirável pelo seu cinismo, mais admirável ainda, pela sua estupidez, é a do obreiro submisso.

O operário farta-se de trabalhar e apenas pode satisfazer as suas mais peremptórias necessidades. Não obstante, resigna-se com o que ele chama a sua sorte em lugar de revoltar-se contra tudo e todos. - Não foram feitas para nós as riquezas, nem as comodidades, nem os gozos do mundo! - pensa estupidamente. E continua vegetando, sem que o espectáculo de tão demasiado luxo e de tantos crimes que ao seu redor ocorrem, infiltre indignação no seu abatido espírito.

E porquê?
Por que é que os operários são mansos e pacientes como ovelhas?
Porquê esta resignação suicida?
Como é que não compreendem que têm direito à vida, que o património universal lhes pertence de direito e que a eles deve pertencer de facto?

A
h!, é porque o trabalhador não sabe nada, não vê nada, não ouve nada, nada compreende. A ignorância atávica, as mentiras que desde criança lhe ensinaram, e os preconceitos arreigados nos cérebros da maioria dos homens: o ambiente mórbido em que vive; o empenho que têm as classes burguesas em que não se instrua; as leis coercitivas da liberdade individual, que impedem que homens de sentimentos nobres propaguem profusamente ideais de redenção; o trabalho extenuante a que é submetido; a falta de alimento e de descanso, e a cobardia moral que tudo isto engendra, faz com que o trabalhador seja incapaz de pensar e de analisar por si próprio, e que julgue que os males de que padece não têm remédio, que a organização social há de ser sempre a mesma, que a autoridade é necessária e que a exploração é lógica, porque sempre haverá pobres e ricos, como dizem que disse o Deus Cristo dos Católicos.

Assim pensa e crê a maioria dos trabalhadores, isso a que se chama povo, massa, vulgo... Mas junto desta maioria de trabalhadores submissos, há uma minoria de trabalhadores rebeldes, de indivíduos libertados de crenças absurdas, de homens que já não são o povo, porque ao libertarem-se de todos os dogmas, passaram a ser individualidades conscientes. E esta minoria de trabalhadores é numerosa e forte, e mais poderosa, portanto, que a maioria, a qual arrastará atrás de si, inevitavelmente, no dia da revolução, se não conseguir convencê-la o que não é sensato supor. Estes trabalhadores rebeldes, estes homens conscientes, descendentes dignos do mitológico Satan e de Espartaco, ao conhecerem o sofrimento, quiseram a sua total supressão, estudaram as causas da dor universal e souberam encontrar-lhe o remédio.

Provou-se, com argumentação incontestável, que todas as religiões são falsas; que a terra e tudo o que nela se produz, é património comum de todos os homens; que a propriedade é um roubo, e o direito de herança, causa o engrandecimento da propriedade individual, um verdadeiro crime; que a autoridade é inútil para o bem e fomentadora do mal, e que a sua única missão é manter os privilégios dos usurpadores de toda a riqueza social; que esses limites que marcam fronteiras, dividindo a terra em parcelas chamadas nações, e que são causa do ódio entre os habitantes de um e outro território, devem desaparecer, assim como os exércitos criados e mantidos não só para a guerra, mas também para fazer calar as vozes dos escravos quando, fartos de sofrer, pedem um pouco de liberdade, de igualdade ou de justiça. Ao fazer a crítica da sociedade, puseram-se em evidência os horrores que a actual organização engendra.

Viu-se que a autoridade, o capital e a religião são a causa de todos os males.

Provou-se que, dentro da organização social existente, não pode resolver-se o problema chamado «questão social», sejam os governos monárquicos, republicanos ou socialistas, porque todas as cataplasmas preconizadas pelos sociólogos «beras» para resolvê-lo, são inúteis. Enquanto subsistir a autoridade, as leis, o poder representativo, o executivo, judicial e repressivo, coarctando a liberdade individual, a livre iniciativa, o progresso; enquanto, pelo maldito direito de posse, se presumir feito pelo proprietário tudo o que em «seus domínios» se produza; e o capital, trabalho usurpado e não acumulado legitimamente, como dizem os seus panegiristas, não for abolido; e as religiões não desaparecerem da terra, deixando livres as consciências para que os indivíduos possam pensar e analisar por si próprios e obrar conscientemente..., a questão social continuará de pé.

É, pois, o Estado, o Capital e a religião que se tem de suprimir para que a questão social fique resolvida totalmente.
Julgam porventura que é só uma questão de estômago?

N
ão. A questão social não é só uma questão económica; é também uma questão de moral e de liberdade. Por isso, todas as fórmulas imaginadas para resolver esta questão dentro da organização social presente, são nulas.

Portanto, é necessário fazer a Revolução Social, e, sobre as ruínas desta decrépita sociedade, organizar, racional e cientificamente, a nova sociedade, a sociedade livre e igualitária, a sociedade do comunismo libertário.



II
Numa sociedade livre e bem organizada, tudo será paz, amor, alegria... Despidos os homens de preocupações; desobstruídos os cérebros de atávicos e ridículos preconceitos; desaparecidos os ódios mesquinhos e os baixos egoísmos; tendo a instrução e a educação levantado o espírito humano a um nível moral e intelectual não atingido em nossos dias; tendo cada um plena consciência de seus direitos e deveres, e sendo todos iguais economicamente e livres absolutamente..., já não há crimes, já não há injustiças, já não há mesquinhas e cruentas lutas pela conquista do pão, porque o pão está garantido a todos.

A Justiça preside à sociedade acrata. Os homens, sentindo-se felizes, amam os homens. O ódio desaparece da Terra. Não há força capaz de quebrar a harmonia que entre os humanos reina. A liberdade e a igualdade são património do Homem. A realidade e a vida não são deformadas em moldes construídos de teorias e de abstracções absurdas e limitativas. Já não há quem ponha diques ao progresso. Desfeitas as peias que a uniam ao jugo da ignorância e da mentira, a Humanidade caminhará a passos gigantescos para a perfeição. E a Solidariedade, a humana e sublime Solidariedade, manifesta-se em todo o seu esplendor.

Não há, numa sociedade livre, privilegiados nem deserdados, nem exploradores nem explorados, tiranos nem escravos. Nela não se vêem nem miseráveis mendigos, nem desgraçadas prostitutas, nem abjectos polícias. Nada de ruim e miserável nela existe. Suprimiu-se o Estado, com as suas leis absurdas, seus legisladores, seus juizes, suas repartições abarrotadas de vadios e de seus milhares de odiosos instrumentos; o Capital, causa de tanta miséria, de tantos males e tantos crimes; e a Religião, com as suas igrejas cheias de parasitas, seus estúpidos ídolos e suas cerimónias irrisórias.

E abolindo o Estado, o Capital e a Religião, desapareceram também os odiosos, anti-higiénicos e desumanos antros de exploração e miséria; quartéis e hospitais, presídios e cárceres.

O progresso da indústria e da mecânica, alcançou já tal grau de perfeição que só com o que se produz na sociedade capitalista, poder-se-ia muito bem satisfazer completamente as necessidades de todos. Ora bem: se na sociedade capitalista, onde a produção é limitada, porque assim convém aos interesses criados de uns quantos, há produtos suficientes para todos - e isto está provado estatisticamente - com a diferença que, estúpida e criminosamente, se deixa que os produtos se estraguem, calcule-se que superabundância não haverá na sociedade comunista livre, quando o trabalho, livre de empecilhos políticos, religiosos e sociais, emancipado do capital, seja praticado voluntariamente por todos os homens.

Estou já ouvindo exclamar: «Mas se o trabalho é voluntário, ninguém quererá trabalhar!» Que pobres de espírito são os que assim pensam!... - Como! - exclamo eu - Que ninguém quererá trabalhar?... Que loucura!... Acaso não está provado que o trabalho é uma necessidade fisiológica? Acaso não está na consciência de todos que se o homem não fosse produtor não poderia subsistir? Acaso não é pelo trabalho que se enobrece e se dignifica o homem? Acaso não é o trabalho uma lei da natureza, um alto conceito moral, a verdadeira virtude?... É insensato supor que o homem possa entregar-se à ociosidade, uma vez libertado o trabalho do jugo capitalista.

Precisamente o que hoje torna odioso o trabalho, é esse maldito jugo e não o próprio trabalho, pois trabalhar é ser tiranizado e explorado, é ter que suportar a presença do estúpido burguês, e, além disso, porque sabemos que depois de uma jornada de nove, dez ou doze horas de um trabalho aniquilante, não teremos ganho o suficiente para satisfazer as nossas peremptórias necessidades. Eu, que sou operário, que sou explorado, sei por experiência que não trabalhar é aborrecer-se. E aos meus companheiros de exploração, ainda aos mais refractários ao trabalho, tenho ouvido sempre as mesmas lamentações quando têm estado sem ocupação: «sem trabalhar sou homem morto». «Aborreço-me, não sei o que hei de fazer, nem para onde ir». «Isto é insuportável; parece impossível que haja quem possa viver sem trabalhar». E ao falarem assim, não têm em conta o jornal que o seu trabalho lhes poderia proporcionar, mas apenas o aborrecimento que os faz sofrer.

Não há, pois, a recear que o homem seja preguiçoso quando for livre. Não receemos tão pouco que os produtos escasseiem. Seja o trabalho livre e a produção será muito superior ao consumo, por excessivo que este seja e por muito escassa que seja aquela. E mais sensato é supor que na sociedade libertária se tenha que gritar: «façam o favor de não produzirem tanto, companheiros, que já não há lugar onde arrecadar os produtos» e não que seja necessário estimulá-los ao trabalho.

Por isso, nós, os anarquistas, queremos: «Que o homem seja livre, na sociedade livre e que nela cada indivíduo produza segundo seja a sua vontade e à sua vontade consuma».

Porque quando os homens estiverem associados livremente; quando a produção estiver organizada sobre bases racionais e científicas; quando as máquinas e todos os instrumentos de trabalho pertencerem ao acervo comum da colectividade; quando toda a terra se tornar produtiva, o que hoje não sucede porque assim convém ao usurpadores do património universal; quando desaparecerem os mil e um empregos necessários hoje para facilitar as transacções comerciais e para satisfazer a vaidade burguesa, mas desnecessários numa sociedade justa, livre e igualitária; quando, por ser a riqueza social propriedade comum de todos e não património de uns poucos, as máquinas estiverem multiplicadas até ao número que for necessário; e quando, finalmente, os homens compreenderem que o interesse de um é o interesse de todos, que do bem-estar da colectividade depende o bem-estar do indivíduo, o trabalho não será penosa imposição, sinal de escravidão, brutal e aniquilante, senão que, além de ficar reduzida à sua expressão mais simples, será agradável entretenimento, higiénico desporto.

O que fica exposto basta para que todos compreendam que não há motivos para recear a falta de produtos numa sociedade onde a produção e o consumo sejam voluntários.

E estando a produção assegurada, que mais há a temer?

N
ada absolutamente, pois possuindo todos o necessário, não haverá invejas, egoísmos nem crimes, porque o dinheiro, único deus da burguesia, única coisa que na actual sociedade pode redimir da escravidão material, terá desaparecido na sociedade livre, e sabido é que, directa ou indirectamente, o dinheiro é causa de todos os crimes, de todas as invejas, de todos os egoísmos.

Mas há mais ainda: a questão do amor, resolvida pelo amor livre. E o amor livre é - dito de uma forma concisa, pois não há espaço nem aqui é lugar para dar uma extensa definição, - o verdadeiro matrimónio, ou seja, que quando um homem e uma mulher se amem, unir-se-ão livre e voluntariamente, sem que ninguém tenha direito de ordenar o contrário e sem necessidade de comunicá-lo a um padre ou a um juiz, pois estes nada têm que ver com semelhante acto nem aos amantes faz falta a permissão do juiz ou do padre para darem expansão aos seus sentimentos amorosos. (E tenha-se em conta que isto do padre e do juiz, o digo para melhor compreensão e para a prática desta formosa e moral teoria na presente sociedade, pois na sociedade anarquista não haverá, claro está, semelhantes personagens).

E para terminar este capítulo, pois já o espaço vai faltando e é ainda imprescindível fazer outro, direi que a Anarquia é o ideal mais belo e humanitário que o pensamento do homem tem concebido; que as suas teorias são científicas, naturais e racionais, que não é um ideal abstracto, um sonho generoso mas irrealizável, mas sim um ideal concreto, de imediata realização, de implantação fácil e simples, porque não é necessário para isso que os homens sejam anjos - como dizem aqueles que nos taxam de utopistas, e os utopistas, afinal são eles! - pois basta que os homens sejam tal como são, pois assim mesmo os queremos, com todos os seus defeitos e paixões.



III
Quão grande e formosa é a Anarquia!
Que imenso mundo de belezas ela encerra em seu seio!...
Como não amá-la?...
Oh, ignorância!
Oh, estupidez dos homens!...
Como é possível haver quem conheça a Anarquia e não a ame?...

E, todavia os há!...

Alguns ruins miseráveis, seres egoístas, indivíduos sem dignidade... tais são os que podem conhecer a Anarquia sem a amar!...

Quando, nas asas da fantasia, voamos à sociedade futura, e com um esforço de vontade e inteligência, nos colocamos no lugar que então ocupará o homem; quando, pelos mesmos processos, poisamos sobre a terra e vemos tantos crimes, injustiças, horrores, como há na sociedade presente; quando comparamos os homens de hoje, ignorantes, estúpidos, egoístas, miseráveis com os homens de amanhã, ilustrados, robustos, generosos, oh! quanto ódio sentimos pela sociedade presente e quanto desprezo nos inspiram os homens de hoje, ao comparar o que é com o que deve ser, com o que pode ser, com o que será, pese a todos os escribas e fariseus que no mundo existem.

Não ser anarquista, por não saber o que é a Anarquia, é ser ignorante; por ser incapaz de compreendê-la, é ser imbecil; e conhecê-la e compreendê-la, e, não obstante, defender a presente sociedade porque assim se vai vivendo, é ser canalha.

E não se diga que somos sectários. Até os mais ardentes defensores da sociedade capitalista, reconhecem que esta é má, e boa a anárquica. Portanto, cabe perguntar: - Se reconheceis que a presente sociedade é má e que a sociedade anarquista é boa, porque não sois anarquistas? A esta pergunta respondem com uma capciosidade: - Porque a Anarquia perfeita é irrealizável. Mas isto não é um argumento em contra, é, pelo contrário, em pró. Com efeito, ao reconhecerdes que a sociedade de hoje é má e boa a de amanhã, reconheceis que somos superiores aos outros homens e confessais a vossa perversidade? Ah! Conheceis o bem e o mal e, não obstante não quereis o bem? Pois nisso está a vossa condenação.

Podeis desmascarar-vos.
Podeis abandonar a hipocrisia.
Não digais que a Anarquia perfeita é irrealizável.
Dizei que não quereis o bem estar da humanidade.
Sede francos.
Por isso, eu pergunto: Como não ser Anarquista?
Como não sê-lo, se a sociedade presente é má e nela tudo é iniquidade e crime, dor e miséria, lágrimas e morte?
Como não sê-lo, se a sociedade anarquista é boa e nela tudo é paz, amor, alegria...?
Que cada um faça o seu exame de consciência e responda.
Eu, já fiz o meu.
E à frase interrogativa:

COMO NÃO SER ANARQUISTA?
respondo com a frase exclamativa:
COMO NÃO SER ANARQUISTA!

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